Resenha - “Morte e Vida Severina”
- Jhonattan Reis
- 8 de jan. de 2016
- 5 min de leitura
Entre 1954 e 1955, o poeta João Cabral de Melo Neto escreveu “Morte e Vida Severina”. Mais tarde, a obra foi adaptada para teatro, quadrinhos e cinema – teleteatro. Neste último, “Morte e Vida Severina” teve versão dirigida por Walter Avancini, que mostra um trabalho complexo, feito em 1981.
O longa-metragem inicia com imagens secas e cores fechadas, denotando a vida no nordeste – cenário do filme – na ocasião. Logo no início, o retirante Severino declama versos. Ele se apresenta e narra parte de sua história. O cenário – matas e galhos secos – mostra a seca e pobreza do lugar. O figurino da personagem, em tons beges, amarelados e amarronzados e com desgaste proveniente da história vivida por Severino, se confunde com o cenário. A conotação é a semelhança entre a pobre vida do retirante e a seca enfrentada no local.
O personagem Severino então sai do sertão do nordeste em busca de uma vida melhor. Logo em sua partida, ainda no início do longa-metragem, ele caminha nas terras e galhos áridos do lugar, debaixo de um sol brilhante e quente, situação demonstrada com eficiência em boa fotografia, pouco antes do quarto minuto de filme.

A noite cai enquanto Severino ainda caminha. Durante sua jornada, ele encontra vários tipos de nordestinos, todos ligados à morte de alguma forma.
Primeiramente Severino se depara com os irmãos das almas, lavradores que carregam o corpo de um homem assassinado a tiros por um latifundiário, história cantada em versos pelos personagens. O longa-metragem apresenta boas imagens no trecho. Trilha com pesada carga dramática, personagens caminhando em meio à mata seca e ao cair do sol, enquanto a luz e a sombra apresentam o tom lúgubre da cena. Severino então se despede.
O retirante, com o passar da história, vai acompanhando a seca do rio. Em outra boa imagem, no minuto 11, Severino é refletido no rio enquanto conserva água do mesmo para beber. A conotação da fotografia em questão indica a seca do rio se confundindo com a vida de Severino, ambas a se extinguir aos poucos.

Em certo momento, na metade do décimo segundo minuto de filme, árvores com folhas em tons esverdeados ao fundo e o ato do levantar bruscamente de Severino – aliado, também, até a esperança do personagem na situação – faz parecer que algo mudaria no filme. No entanto, o retirante se depararia com a morte mais uma vez.
No lugarejo em que chega, ele escuta uma cantoria vinda de uma casa. Severino pensa se tratar de uma reza ou festa. Porém, o que ocorre é um cortejo fúnebre, em homenagem a outro homem morto. Os figurinos, sempre em tons fechados, se embaraçam às paredes inacabadas da casa, denotando a pobreza que se enfrenta no lugar. Severino então se retira, carregando aquela carga lúgubre de onde saíra, pensando até em desistir de sua viagem. Em um local que há casas que mais parecem ruínas, Severino encontra uma mulher e pergunta-a se é possível encontrar algum trabalho por ali, com a intenção de se instalar no lugar. Porém, ele percebe que não há trabalho para nada que saiba fazer, que são agricultura e pecuária. A mulher explica que por ali há apenas profissões ligadas à morte, como rezadeira e coveiro. Nos diálogos deste trecho, a mulher canta e Severino declama versos em rimas. Entretanto, não há quebra de ritmos, mesmo um falando e a outra cantando, o que mostra um bom trabalho de atuação de ambas as partes. As imagens intercaladas que findam o diálogo são de um povo pobre, sofrido e que vive num lugar em que a morte sobressai.
O retirante continua a caminhar até chegar a um canavial onde ninguém há. Olhando os verdes da natureza deste novo lugar, a esperança novamente parece tomar seus olhos. Todavia, ele avista um cemitério, sendo mais uma aproximação com a morte. Ao chegar mais perto, ele percebe o funeral de um lavrador. O enterro mostra a forma como estes se davam à época e local em que se passa a história. O trecho expõe bem a carga dramática presente na história.
A música “Funeral de Um Lavrador”, composta por Chico Buarque de Hollanda e que inicia seus versos com a tensão de um acorde menor, expressa a carga de conflitos vivida pelo povo nordestino na ocasião. “É a terra que querias ver dividida” se refere à nova cova que precisou ser cavada no lugar. A personagem que carrega as letras é bem construída pela atriz, sendo que o trabalho vocal e de atuação da mesma é construído de forma técnica e complexa. Severino, mais uma vez próximo à morte e acompanhando de longe o funeral, desiste de ficar por ali – onde achou que poderia ver mudanças em sua vida – e prossegue viagem.

Pela primeira vez longe de terras e galhos secos, Severino chega ao Recife, local que apresenta características de uma cidade grande, como casas bem ornamentadas, pontes e carros. Após longa caminhada, ele resolve encostar-se a um muro para descansar e depois percebe que o cercamento pertecence a um cemitério. Uma câmera posicionada sobre a divisão mostra os lados de dentro e fora do lugar fúnebre.
Ainda descansando ao pé do muro, Severino escuta o diálogo entre dois coveiros, que falam sobre o trabalho que eles têm quando retirantes saem do sertão para morrer em Recife.
Em meio a essas palavras e a seu cansaço – num cenário que novamente o aproxima da morte – Severino resolve se matar. Ele então vai até um dos rios que cortam a cidade, com a intenção de se jogar nas águas e evitar dar trabalho aos coveiros que ouvira. Quando chega perto do rio, Severino encontra um mestre carpina – carpinteiro –, morador do local. Severino pergunta se aquela parte do rio era favorável ao suicídio. O homem responde que sim, mas conversa com Severino tentando convencê-lo a não se matar. Severino, cansado e desacreditado, pede ao mestre de carpina que lhe diga o porquê de não se atirar no rio.
Quando o carpinteiro pensava no que responder, é interrompido por uma mulher que lhe anuncia o nascimento de seu filho. O homem vai até o local onde está a criança, vê os presentes pobres que lhe são trazidos e escuta previsões de duas ciganas recém-chegadas, que relatam de forma pessimista o futuro da criança recém-nascida. O trecho apresenta boas fotografias, alternando o foco entre a criança e as ciganas, que estão ao fundo.

Como em todo o filme, as partes musicadas focam bastante texto e na voz, deixando o instrumental quase como trilha de fundo. No geral, apesar de o texto ser dotado de rimas, as falas não se expõem “cantadas”, não apresentam entonação linear, o que mostra que o texto foi bem trabalhado pelos atores e pela direção do longa. João Cabral de Melo Neto, com este texto, descreve situações vividas por pessoas que saem do seco Nordeste em busca de uma vida melhor. Os versos rimados falam dos retirantes, que, confiando na sorte e no destino, às vezes se curvam diante das dificuldades e querem “saltar” para fora da vida, assim como planejara Severino. Entre mortes e nascimentos, o que muitos retirantes querem é não se curvar diante à miséria. Findando a história, o mestre de carpina, então, recorda-se da pergunta feita por Severino e diz que não tem a resposta para a questão de a vida valer ou não a pena. O texto e as imagens desta parte do longa-metragem, dirigido por Avancini, apontam o nascimento da criança representando a vida diante da morte. O fim do filme conota a dualidade entre o fim da vida de Severino e o início do recém-nascido, que poderá se tornar mais um Severino.
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