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Chibata da caneta: racismo ambiental amplia desigualdades em comunidades quilombolas de Campos dos Goytacazes

  • Nelson Nuffer
  • 18 de nov.
  • 5 min de leitura

Negligência em infraestrutura e exclusão de serviços básicos perpetuam desigualdade e êxodo rural



Paulo e Luiza Honorato com a bandeira do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos (Fotos: Nelson Nuffer)
Paulo e Luiza Honorato com a bandeira do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos (Fotos: Nelson Nuffer)

O racismo ambiental é definido como a desigualdade socioambiental que afeta desproporcionalmente comunidades marginalizadas, e tem raízes profundas e consequências devastadoras em toda a sociedade. Campos dos Goytacazes possui, no total, sete quilombos reconhecidos e registrados na Fundação Palmares, entidade vinculada ao Ministério da Cultura, criada em 1988 com o objetivo de promover e preservar a cultura afro-brasileira, além de reconhecer e certificar comunidades remanescentes de quilombos. Nessas comunidades, como Conceição do Imbé e o ABC do Imbé (Aleluia, Batatal e Cambucá), a falta de políticas públicas efetivas e de infraestrutura básica acentua o isolamento dessa parte da sociedade e reforça ciclos de pobreza.  


“A escravidão acabou, mas a chibata do chicote virou a chibata da caneta. As políticas públicas não chegam para nós, e o descaso é generalizado,” denuncia Paulo Honorato, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos e da Associação de Produtores Quilombolas.  


Mas afinal, o que é Racismo Ambiental?

O racismo ambiental ocorre quando populações vulneráveis, como comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas, por exemplo, enfrentam desproporcionalmente os impactos negativos do desenvolvimento econômico e das mudanças climáticas. Essas populações sofrem com a omissão do poder público e com a exclusão dos processos de decisão sobre o uso de seus territórios e recursos naturais.


No Brasil, essa dinâmica é agravada por uma histórica marginalização social e econômica. “Não há melhora. A gente como uma comunidade quilombola, infelizmente, não é respeitada. Os direitos que a gente tem garantido por lei a gente luta, faz solicitação e é a mesma coisa que nada”, aponta Luiza Honorato, funcionária no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos e sobrinha de Paulo.  


A exclusão das comunidades quilombolas é reforçada pela ineficiência das políticas públicas e pela falta de articulação entre os órgãos responsáveis. Daniela Abreu, jornalista envolvida nas causas quilombolas e uma das produtoras do documentário “Griôs: Histórias que os livros não contam”, destaca como o racismo ambiental opera de forma estrutural. “São muitos os quesitos que caracterizam o racismo ambiental. Limitações de serviços e direitos básicos por estarem longe do centro urbano e, além disso, a limitação do acesso à cidade,” afirma.


Ela também ressalta que a negligência vai além da infraestrutura: “A região do Imbé é emblemática, com comunidades ilhadas durante as chuvas”. A falta de apoio aos agricultores familiares e transporte público continua, ano após ano, precário, e são exemplos claros de como o racismo ambiental funciona como um sistema que marginaliza populações vulneráveis.


O ciclo de abandono

A precariedade de infraestrutura nos quilombos do Imbé é um exemplo evidente de racismo ambiental. Paulo Honorato descreve como a falta de manutenção de pontes e estradas torna as comunidades vulneráveis durante o período de chuvas. “Se alguém adoece no Mocotó, não tem como sair. A única opção é o helicóptero, porque as estradas ficam intransitáveis. Já denunciamos à Defensoria Pública, mas nada muda,” relata.


A situação em Mocotó é emblemática. Desde março de 2023, a verba para a reconstrução de uma ponte foi liberada, mas as obras não começaram. “Ainda existem pontes de madeira. Uma cidade tão rica, que arrecada tanto em royalties de petróleo, e o recurso é pra isso, existe um secretário de agricultura, que é responsável pelas pontes, que pertencem ao município, mas eles pulam aonde tem que fazer, que é dentro de uma comunidade do quilombo de Aleluia, que nós já denunciamos Defensoria Pública, mas vão lá no fazendeiro e constroem”, comenta Paulo.


Outro desafio enfrentado pelas comunidades quilombolas é o transporte público inadequado. Antes da pandemia, existiam horários que atendiam melhor as localidades, mas eles foram reduzidos e nunca restaurados. “As crianças acordam às 4h da manhã para caminhar até o ponto de ônibus mais próximo e poder estudar. É um absurdo,” afirma Luiza Honorato, sobrinha de Paulo. 


Paulo lembra da luta para conseguir transporte antes da pandemia: “Tivemos que queimar pneus nas ruas para conseguir horários decentes. Depois, disseram que os horários voltariam quando a pandemia acabasse, mas até hoje nada. E quem sofre é o povo, o trabalhador rural, o estudante.”


Além disso, as escolas locais não oferecem educação completa. Após o quarto ano do ensino fundamental, as crianças precisam se deslocar para Campos ou outras localidades mais distantes. “Muitos desistem. É um esforço descomunal para continuar estudando,” acrescenta Luiza.  


Agricultura e a Desvalorização da Produção Quilombola

A Feira da Roça, idealizada para valorizar a produção quilombola, hoje enfrenta dificuldades devido à falta de apoio logístico e transporte. “A gente criou a feira, mas agora quem vende lá são comerciantes que compram produtos nos caminhões do mercado. O quilombola que planta não consegue chegar com seus produtos,” diz Paulo.  


A situação reflete o desamparo na agricultura. Sem tratores ou sistemas de irrigação, as safras são frequentemente perdidas. “Este ano, tivemos uma seca severa que destruiu as plantações de milho e abóbora. Depois veio a chuva forte, e o solo ficou encharcado. Não conseguimos plantar”, explica Paulo. Ele alerta para o êxodo rural: “Os jovens não veem futuro no campo. Eles saem em busca de emprego, e muitos nunca voltam”.  


Mesmo iniciativas como o resfriador de leite, que eliminou os atravessadores, enfrentam desafios burocráticos. As comunidades quilombolas tentam participar de programas governamentais para incluir sua produção de leite na merenda escolar e são excluídos sem explicação clara. “Temos toda a documentação, mas ainda assim não somos aprovados. Por quê? O sistema nos exclui,” denuncia Paulo.  



Paulo Honorato | presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos e da Associação de Produtores Quilombolas
Paulo Honorato | presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos e da Associação de Produtores Quilombolas

A fala de Paulo sobre a “chibata da caneta” resume a realidade das comunidades quilombolas. Ele explica: “Na escravidão, era o chicote. Hoje, é a caneta. Você faz uma denúncia, tenta acessar direitos, e tudo esbarra na burocracia e no descaso.”  


Esse racismo estrutural também se manifesta na distribuição desigual de recursos públicos. Paulo destaca que comunidades quilombolas são frequentemente ignoradas em favor de grandes fazendeiros e empresários. “As políticas públicas só chegam para quem tem influência. O povo trabalhador é deixado de lado.”  



Justiça Ambiental como Solução  

O racismo ambiental perpetua ciclos de pobreza e exclusão nas comunidades quilombolas de Campos dos Goytacazes. Solucionar esses problemas exige uma mudança estrutural que vá além de projetos pontuais.  


Para Paulo Honorato, a luta continua: “Não vamos nos calar. As comunidades quilombolas merecem dignidade e respeito. Nossa produção alimenta a cidade, mas somos tratados como invisíveis. Isso tem que acabar.”  


Prefeitura de Campos dos Goytacazes
Prefeitura de Campos dos Goytacazes

A transformação da realidade quilombola exige comprometimento político, articulação comunitária e uma abordagem baseada na justiça ambiental, garantindo direitos e preservando a história e a cultura dessas comunidades.


Procurados para comentar sobre programas sociais e políticas públicas que envolvem as comunidades do ABC do Imbé, o Inea, Conaq e Incra não responderam até o fechamento desta reportagem. Sobre questões de saúde e atendimento médico, a Prefeitura de Campos informou que “além do atendimento nas Unidades Básicas de Saúde da Família, ligadas à Subsecretaria de Atenção Primária em Saúde (APS), tem o Programa de Assistência aos Assentados e Quilombolas (PAAQ), vinculado à Subsecretaria de Vigilância em Saúde (SUBVS)”.


 
 
 

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