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Raízes do Futebol

  • Samuel Gutierrez
  • 10 de nov.
  • 7 min de leitura

Este foi um trabalho da disciplina Narrativas Jornalísticas II, ministrado para alunos do 4º período de Jornalismo do UNIFLU, em 2024.


Interior do Ary de Oliveira (Fotos: Samuel Esteban)
Interior do Ary de Oliveira (Fotos: Samuel Esteban)

"Obrigado!", falei ao motorista, enquanto descia do ônibus e começava a caminhar em direção à Rua dos Goytacazes. O sol já estava alto, com uma brisa leve que deixava o ar fresco. O céu, de um azul claro, sem uma nuvem sequer, a não ser pequenas nuvens que flutuavam como desenhos que poderiam desaparecer a qualquer momento. Caminhei pela calçada, observando a movimentação da rua. Havia uma algo diferente, alguns passavam apressados, outros mais devagar, com um ritmo que parecia ser devido à data.


No caso, o dia 23 de novembro estava sendo aguardado por muitas famílias, por causa da semifinal da Taça Guarus, campeonato Sub-12, Sub-14 e Sub-16. À medida que me aproximava do Estádio Ary de Oliveira e Souza, a rua se tornava ainda mais animada. Famílias se formavam aos poucos, algumas caminhando de mãos dadas, outras com filhos pequenos a tiracolo, todos com um sorriso no rosto. Pude notar algumas conversas, algumas descontraídas, outras com broncas. "Eu te falei para dormir mais cedo ontem! Agora está aí, todo sonolento para ver seu irmão jogar!", comentou uma mãe para seu filho, enquanto caminhavam para o interior do estádio.


Quando, por fim, entrei no estádio, se por um minuto me espantei com o volume de fora, então eu seria obrigado a ter a mesma reação por dentro. A movimentação era grande, digna de um campeonato. As arquibancadas, pintadas de um azul escuro, erguiam-se como uma parede viva, preenchida por algumas pessoas que ainda estavam se acomodando em seus lugares. Na tribuna principal, as cadeiras brancas, um pouco desgastadas pela falta de cuidado, chamavam a atenção. Escolhi uma das arquibancadas mais afastadas, onde o vento passava com mais intensidade e o sol — que começava a chegar — não estava.


No centro do gramado, o esverdeado se estendia. A grama, que se mostrava um pouco alta demais para um campo profissional, chamava a atenção dos pais dos jogadores. "Meu pai amado! As crianças de doze anos terão que enfrentar o outro time e, ainda por cima, um gramado mal cuidado desse!", comentou um pai, tirando risada de outras pessoas que estavam ao redor.


Os jogadores começaram a se aquecer, correndo pelo campo e tocando as bolas, o que aumentava ainda mais a expectativa de quem estava por fora, apenas observando. O som das chuteiras no gramado e o estalo das bolas sendo disparadas para os lados deixavam claro que o jogo não demoraria a começar. Era a primeira partida da semifinal do Sub-12 da Taça Guarus: Americano contra Helênico.


Os gritos de apoio das famílias se faziam presentes, cada pai ou mãe tentando motivar seus filhos com palavras cheias. "Isso, meu filho, vai com tudo!" — escutei de um lado, enquanto de outro vinham mais gritos de encorajamento. Na minha esquerda, Sandro Serafim estava completamente focado, gritando o nome de seu filho, Bernardo Serafim, com a voz firme e cheia de emoção. "Vamos, Bernardo! É contigo!" Tomei a iniciativa de puxar uma conversa com ele. Pedi desculpas pelo incômodo e perguntei sobre a tamanha motivação que ambos pareciam compartilhar mesmos distantes naquele momento.


Sandro e Bernardo Serafim
Sandro e Bernardo Serafim

Sandro olhou para mim, como se estivesse organizando as palavras, e então respondeu: "Então, é muito forte nossa base no futebol. Eu tenho um irmão que é jogador profissional, tenho um tio que foi jogador profissional, e eu tentei ser jogador de futebol também. Isso já vem de família, né? Então ele gosta pra caramba de futebol, e a gente está vivendo o sonho dele. Ele quer ser do futebol, e a gente está incentivando da melhor maneira possível." Perguntei sobre como o esporte impactou a vida de ambos. "O futebol tem uma participação grande em aspectos diferentes da vida, por exemplo, formar homens, formar companheiros, formar amigos. Então, no futebol, você aprende que cada um tem que se ajudar. Mesmo tendo sonhos, tem a técnica de cada um que é diferente, mas é você ajudar, é você ter o companheirismo. Então, para mim, o futebol influi bastante na criação da criança, do atleta." Após alguns minutos de conversa, me despedi de Sandro, decidindo sair da arquibancada no intervalo do jogo.


Walter Pereira | Vendedor
Walter Pereira | Vendedor

Caminhei pelo estádio e avistei o vendedor ambulante Walter Pereira, no meio do fluxo de pessoas, enquanto vendia pipoca. Quando me aproximei, ele logo puxou assunto: "Rapaz, tá movimentado hoje, né? Fazia tempo que não via tanta gente aqui", disse ele, observando o ambiente cheio de pessoas indo de um lado para o outro. "Que Deus me abençoe hoje com essa venda, se Ele puder, né? Tô precisando." Perguntei a ele como os dias de jogos impactam seu trabalho, e ele explicou: "A gente vive disso. Ajuda muito. Eu vivo disso quando tem jogo, tem evento... E é um evento que ajuda a cidade. Vem muita família, vem muita criança, obviamente. É bom quando tem jogos do profissional. Quando eles vêm jogando. Mas a gente espera que o clube, o Goytacaz, venha se erguer novamente. Se Deus quiser, vai voltar."


Por fim, me despedi do vendedor, voltei à arquibancada e me acomodei novamente, esperando o reinício do jogo. Até aquele momento, o placar estava empatado. Aos 10 minutos do segundo tempo, um jogador do Americano fez uma bela jogada pela ponta direita, driblando dois defensores do Helênico e cruzando para a área, mas a bola foi cortada. O jogo continuou acirrado, até que o gol do Americano saiu. A arquibancada explodiu em comemoração. Os pais dos jogadores estavam eufóricos, se abraçando, pulando e gritando como se fosse uma final de Copa do Mundo. Após a vitória do Americano, encontrei Sandro e Bernardo se abraçando, e a alegria entre eles era evidente. O sorriso no rosto deles não mentia.


Quando o abraço terminou, me aproximei e cumprimentei Bernardo, parabenizando-o pela vitória. Perguntei como havia sido jogar com tanta pressão, querendo a vitória. Ele me explicou que a pressão faz parte do esporte, ressaltando que sua motivação se baseou no que ele passou para estar ali. "A gente treina muito, se dedica o tempo todo. Meu pai sempre me fala para focar, que o trabalho duro vai trazer o resultado. E estar na final... é um sonho que estou perseguindo faz tempo." Observei o sorriso de ambos, com Bernardo ressaltando sobre a ajuda e o apoio incondicional de seu pai, Sandro. "Ele tem sido meu maior apoio. Às vezes, a gente conversa bastante sobre as dificuldades, as vitórias e até os momentos de frustração. Ele me ensinou a ser persistente, a nunca desistir, mesmo quando as coisas ficam difíceis. E isso me ajuda muito."


Wallace Lima | Técnico do AFAP
Wallace Lima | Técnico do AFAP

O próximo jogo do Sub-12 foi entre Boa Vista e AFAP Serra. A partida foi amplamente dominada pela AFAP, que controlou o ritmo do jogo do início ao fim, não deixando espaço para grandes reações do time adversário. Ao final da partida, me aproximei do técnico da AFAP, Wallace Lima, que estava sentado na arquibancada, aguardando o jogo do Sub-14. Ele era um homem alto, ainda vestido com o casaco azul da comissão técnica do time. Me cumprimentou com um aceno de cabeça, e começamos a conversar. Durante a conversa, ele me explicou que, para a vitória, o essencial sempre foi a questão tática. "O jogador hoje tem que entender que precisa jogar com esquema tático, entendeu? Então, esses são alguns fundamentos, algumas prioridades que nós da AFAP exigimos para que possamos ter êxito nas competições."


O técnico então desabafou, explicando que era um prazer ser o técnico dessa equipe e que ama o que faz. "Ver o desenvolvimento desses meninos, a evolução de cada um, é o que me motiva todos os dias." Ele fez uma pausa, olhou para o estádio e continuou: "É uma honra estar jogando aqui, num estádio com tanta história, como o Aryzão. Esse lugar tem uma tradição que não se encontra em qualquer canto, e poder vivenciar isso é incrível." Porém, logo em seguida, ele acrescentou que desejava que o estádio estivesse bem cuidado. "O coração da gente se machuca ao ver coisas como os bancos sujos, por exemplo, ou o tamanho da grama."


Após a conversa com o técnico Wallace, decidi caminhar um pouco mais pelo estádio, absorvendo o ambiente. O sol já começava a esquentar mais, as arquibancadas se esvaziavam, e o som das conversas dava lugar ao barulho das bolas ainda sendo batidas no campo, preparando-se para o último jogo do dia.


Sérgio Alves | Presidente do Goytacaz
Sérgio Alves | Presidente do Goytacaz

Foi então que, próximo aos vestiários, avistei Sérgio Alves, o presidente do Goytacaz. Ele estava em pé, com as mãos cruzadas atrás das costas, olhando atentamente para o campo. Me aproximei lentamente, tentando não interromper o momento de concentração. Quando ele me viu, sorriu e fez um gesto com a cabeça, indicando que eu poderia me aproximar. Nos cumprimentamos, observei que ele se sentou em uma cadeira e perguntei a ele sua opinião sobre o campeonato da Taça Guarus. Ele respondeu, ressaltando que estão no caminho certo, explicando que um campeonato como esse faz muito bem para as crianças e também para o estádio.


Enquanto a conversa com Sérgio avançava, ele aproveitou para falar sobre futuros projetos para o Goytacaz. "Nós estamos saindo de uma briga jurídica com a antiga diretoria, que tentou, na verdade, vender o clube. E nós, essa diretoria atual, estamos conseguindo impedir isso. Então, os vereadores criaram uma lei onde é proibido construir edificações no lugar do campo do Goytacaz. Mas isso não impede que alguém compre o terreno via leilão." Ele citou a Taça Guarus como uma oportunidade para reaproximar a comunidade, gerar visibilidade e dar um respiro ao clube. "Estamos começando a formar novas gerações de jogadores, e queremos que esses meninos cresçam com o Goytacaz no coração. E, para o futuro próximo, a ideia é ter grandes eventos aqui." Ainda sobre o futuro, Sérgio contou que, em janeiro de 2025, a meta é buscar a liberação junto à Federação de Futebol do Rio de Janeiro para disputar as categorias Sub-15, Sub-17, Sub-20 e, claro, o time profissional.

 
 
 

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