top of page

Um domingo na várzea

  • Luís Roberto Soares Velasco
  • há 17 horas
  • 6 min de leitura

Os bastidores de um jogo amador.


Este foi um trabalho da disciplina Narrativas Jornalísticas II, ministrado para alunos do 4º período de Jornalismo do UNIFLU, em 2024.

Fotos: Luís Roberto Soares Velasco
Fotos: Luís Roberto Soares Velasco

Todo domingo, invariavelmente, em Tocos, bairro de Campos dos Goytacazes, alguns times se reúnem para praticar o esporte mais conhecido do mundo. Sim, o bairro conta com pelo menos três times que estão em atividade no momento; às vezes o mesmo sujeito joga nos três. Chega a ser engraçado: quando conto isso, me perguntam, “E se esses times se enfrentarem?” Ele só escolhe o lado que tem mais amigos ou algum tipo de ligação.


Em mais um domingo, em 24 de novembro, um dos times iria jogar em casa. Pivete FC, de Caxias de Tocos — nome esquisito, você pode pensar — mas esse nome origina-se do “Boi Pivete”, tradição dos carnavais toquenses que os locais de Caxias continuam a colocar na “pista” todo ano, no carnaval. O jogo, marcado para as 9h, era contra o Real City, que, pelo que pude “pescar” no dia, era um time do Parque Aurora, bairro central.


Nesse dia, o tempo amanheceu esquisito: estava nublado, mas abafado — um clima ruim para o jogo, devido ao calor.


“Você vai jogar com esse tempo?” escutei essa pergunta vindo do quarto dos meus pais assim que acordei às 7h30. Respondi: “Óbvio!” Minha mãe sabe que é meu compromisso de domingo. Depois do café, separei a chuteira e me despedi de casa. Chegando ao portão, entendi o porquê da pergunta da minha mãe. Rumo ao campo. Não moro tão longe, mas também não é do lado de casa. Peguei a bicicleta e fui sozinho; geralmente não é assim, alguns amigos vão junto comigo, porém, nesse dia, estava atrasado. Às 9h33 eu ainda estava no caminho e já pensava: “Hoje começo no banco.”


Cheguei ao campo por volta das 9h35. Quando atravessei o portão, um sorriso tomou meu rosto: ainda estavam aquecendo, porém todos uniformizados. Iago Manhães, técnico do Pivete, olhou para mim e disse: “Se quiser jogar agora, corre!” E assim fiz. Encostei a bicicleta no muro e corri para o vestiário. Gleisson Caetano, o massagista, estava lá; quando me viu, sorriu e falou: “Sua roupa está na bolsa.” Abri a bolsa e peguei a camisa, número 16. Ali tive a certeza: sou reserva.


Caio, Kauã e Alan no aquecimento
Caio, Kauã e Alan no aquecimento

Já vestido de vermelho e branco, cores tradicionais do Boi Pivete e do uniforme, juntei-me aos colegas de time no aquecimento. Antes do apito inicial, reunimo‑nos e Iago anunciou o time titular naquele que seria o último jogo do ano:


“Hoje vamos começar assim: goleiro, Chris (Pedro Henrique); Alan e Enes na zaga; na esquerda, Kauã Feioso; na direita, Caio. Davizinho (Davi) e Luiz Antônio de volantes. Pinto (João Vitor) e Luís (eu) no meio. Na frente, Negão (Fagner) e Roninho (Ronald). Beleza?”


Pensei: “EU?” Mas obedeci à hierarquia.


Perfilados já nas posições, antes do jogo começar, todos nos apoiamos e, entre gritos e palmas, escutei um “Vamos, Luís!” vindo de fora do campo. O estádio estava cheio: alguns amigos, outros conhecidos, todos para acompanhar a partida. Frio na barriga e nervosismo tomavam conta de mim.


Escuto o apito. “É agora!” gritei. Logo dei meu primeiro toque na bola; depois disso, tudo passa e o foco na partida cresce. Já dominei e passei para Luiz Antônio, e assim seguiu a partida. A primeira boa chance foi do Real City, que estava melhor no jogo.


Acredito que, por volta dos 25 minutos, numa bola pelo meio, eles abriram o placar: 1x0 para o Real City. Balde de água fria no Pivete, estávamos em casa e não podíamos perder. Lamentei bastante e ouvi um grito: “Luís, tem que correr para marcar também!” Olhei para trás e era Caio; nem retruquei — realmente, o calor já tinha me desgastado muito, mesmo em pouco tempo, e eu rezava para que chovesse um pouco.


Fora isso, nem o time visitante nem o Pivete tiveram mais chances; o jogo ficou feio, com chegadas mais duras dos dois lados, e os ânimos foram esquentando. E assim terminou o primeiro tempo.


“Se continuar assim, vamos tomar, hein”, “estamos muito nervosos” — saímos de campo escutando Luiz Antônio aos gritos, bastante enfurecido. “Vou pedir para sair, tenho que fazer o trabalho da faculdade”, pensei enquanto caminhava até a beira do gramado.


“Iago, me tira, tô cansado.” Foi a primeira frase que falei ao chegar perto deles. “André, entra no lugar de Luís.” Iago já tinha a solução; acredito que já planejava minha saída. “Jogo ali onde Luís estava?” André perguntou. “Mais à frente, encosta nos dois atacantes.” Iago respondeu de imediato. O plano era sufocar o time adversário. Afastei-me antes do segundo tempo começar.


Já trocado com as roupas que usei ao chegar, encontrei amigos na torcida. “O que achou, Jefinho?” perguntei. “O camisa sete deu trabalho ao Enes.” Jeferson é torcedor de um dos times rivais do Pivete; porém, como todos moramos no mesmo lugar, sempre estamos acompanhando e torcendo, seja contra ou a favor. O camisa sete foi o autor do gol do Real City. Fiz sinal de positivo; ele deu risada. Ali me juntei a Jeferson, Jean e Márcio. Vimos juntos o que estava por vir.


Começa a segunda etapa! Já percebemos como a postura mudou: apesar de estarmos perdendo, o Pivete iniciou o tempo final jogando muito mais à frente — com três atacantes, era de se esperar. Logo em um dos primeiros ataques, um cruzamento na área; Fagner cabeceou para trás e Alan completou para o fundo das redes. A alegria contagiou os torcedores. Porém, ao olhar para o juiz, vi o braço levantado. “Você é maluco?” Alan já levantou do chão gritando num tom pouco amistoso para o árbitro. “Negão estava muito impedido, não era pouco não”, acrescentou o juiz. Gol anulado: aparentemente estava, apesar dos “elogios” da torcida ao árbitro.


Mais adiante, num lance em que André ficou cara a cara com o goleiro, conseguiu driblá‑lo, mas o camisa quatro adversário o empurrou, tirando-lhe todo o equilíbrio e impedindo que o camisa oito do Pivete marcasse. Pênalti! O time contrário nem reclamou — foi claro.


Na hora da cobrança, o nervosismo era tanto que dava para ouvir o canto dos pássaros. Fagner Negão pegou a bola; ele é hexa‑campeão com o principal time do bairro, jogador mais experiente e atração principal do jogo. Já tendo jogado no amador de outros estados, ele pegou a bola, olhou para o gol, colocou‑a na marca da cal, deu cinco passos para trás, olhou novamente para o goleiro e esperou o apito. Autorizado! Um, dois, três passos, e Fagner chutou forte de perna canhota para o fundo das redes. Gol do Pivete! A alegria tomou conta novamente — desta vez maior, pois não havia motivo para anulação.


Mas o empate não valeu tanto assim. Na pressa de reiniciar o jogo para buscar a virada, Alan foi buscar a bola no gol. O goleiro adversário não deixou que ele a pegasse — até aí, normal. Porém, num gesto mal escolhido, o goleiro do Real City empurrou Alan, que caiu no chão. Logo em seguida, o goleiro chutou o zagueiro do Pivete, ainda caído. Começava uma das maiores confusões que vi ao vivo. Num ato pior que o do goleiro, Alan levantou-se já desferindo um soco de esquerda no rival — passou no vazio. A turma do “chega pra lá” partiu para cima, mas não adiantava; torcedores do time da casa, em sua maioria, partiram pra cima do autor do chute no jogador local. Acredito que tenha sido um dos maiores arrependimentos da vida do goleiro. Entre chutes e socos, o rapaz fugiu após cair e se levantar de novo. Depois disso, a briga foi apartada — creio que durou uns dez minutos. “Sente a paz deste lugar”, disse Márcio enquanto a briga acontecia. Caímos na gargalhada.


O jogo parou ali: não havia mais clima para continuar. O time visitante se juntou em frente à van que os trouxe; trocaram-se ali mesmo. O Pivete se reuniu à beira do gramado. Eu, já trocado, peguei minha bicicleta e fui embora para casa. O calor ainda era grande.


Cheguei em casa. “E aí, como foi o jogo?” minha mãe indagou — acho que ela já sabia que eu estava arrependido. “É, mãe, acho que alguém ficou mais arrependido que eu, e nem foi pelo calor.”

 
 
 

Comentários


bottom of page